A igreja tem uma dupla responsabilidade em relação ao mundo ao seu redor. Por um lado, devemos viver, servir e testemunhar no mundo. Por outro, devemos evitar nos contaminar por ele. Assim, não devemos preservar nossa santidade fugindo do mundo, nem sacrificá-la nos conformando a ele. Por isso cito quatro tendências contemporâneas às quais devemos resistir:
- Pluralismo
O pluralismo afirma que todo “ismo” tem seu valor e merece nosso respeito. Portanto, ele rejeita as alegações cristãs de perfeição e singularidade, e entende a tentativa de converter qualquer pessoa (que dirá todas) ao que julga ser simplesmente “nossa opinião”, ou seja, uma atitude de arrogância total.
Para responder ao espírito de pluralismo, devemos continuar a afirmar a imparidade e perfeição de Jesus Cristo. Pois ele é singular em sua encarnação (o único Deus homem); singular em sua expiação (somente ele morreu pelos pecados do mundo); e singular em sua ressurreição (somente ele venceu a morte). E sendo que em nenhuma outra pessoa, a não ser em Jesus de Nazaré, Deus se tornou humano (em seu nascimento), carregou os nossos pecados (em sua morte) e triunfou sobre a morte (em sua ressurreição), ele é singularmente competente para salvar os pecadores. Ninguém mais tem suas qualificações.
- Materialismo
Materialismo é uma preocupação com coisas materiais, que podem abafar a nossa vida espiritual. No entanto, Jesus nos diz para não armazenar tesouros na terra e nos adverte contra a avareza.
Paulo acrescenta que “grande fonte de lucro é a piedade com o contentamento” (1 Tm 6.6) e continua explicando que “nada temos trazido para o mundo, nem coisa alguma podemos levar dele”. Talvez, de forma consciente, ele estivesse repetindo o que diz Jó: “Nu saí do ventre de minha mãe e nu voltarei” (Jó 1:21). Em outras palavras, a vida na terra é uma breve peregrinação entre dois momentos de nudez. Assim, seríamos sábios se viajássemos com pouca carga. Nada levaremos conosco.
- Relativismo ético
Todos os padrões morais que nos cercam estão se desfazendo. Isso é verdade especialmente no Ocidente. As pessoas se confundem diante da existência de quaisquer absolutos. O relativismo permeou a cultura e tem se infiltrado na igreja.
Certamente não devemos ser totalmente inflexíveis em nossas decisões éticas, mas devemos procurar, com sensibilidade, aplicar princípios bíblicos em cada situação.
A pergunta fundamental para a igreja é: Quem é Senhor? Será que a igreja exerce o senhorio sobre Jesus Cristo, tornando-se livre para alterar e manipular ao aceitar o que gosta e rejeitar o que não gosta? Ou Jesus Cristo é nosso Mestre e Senhor, de maneira que cremos nele e obedecemos ao seu ensinamento?
Aqui estão duas culturas e dois sistemas de valores; dois padrões e dois estilos de vida. Por um lado, há o estilo do mundo ao nosso redor; por outro, a vontade revelada, boa e agradável de Deus.
- Narcisismo
Narcisismo é um amor excessivo, uma admiração desmedida por si mesmo.
Infelizmente, uma parte desse ensinamento tem permeado a igreja e há cristãos recomendando que devemos não somente amar a Deus e ao próximo, mas também a nós mesmos. No entanto, isso é um erro por três razões. Em primeiro lugar, Jesus falou do “primeiro e grande mandamento” e do “segundo”, mas não mencionou um terceiro. Em segundo lugar, amor próprio é um dos sinais dos últimos tempos (2Tm 3.2). Em terceiro lugar, o significado do amor ágape é o sacrifício próprio em benefício de outros. Sacrificar-se a serviço de si mesmo é, nitidamente, um contrassenso. Então, qual deve ser a atitude para conosco? Um misto de autoafirmação e autonegação – afirmar tudo em nós que vem da nossa criação e redenção, e negar tudo que pode ser ligado à queda.
Diante do desafio do pluralismo, devemos ser uma comunidade de verdade, declarando a singularidade de Jesus Cristo. Diante do desafio do materialismo, devemos ser uma comunidade de simplicidade, considerando que somos peregrinos aqui. Diante do desafio do relativismo, devemos ser uma comunidade de obediência. Diante do desafio do narcisismo, devemos ser uma comunidade de amor.
Devemos nos opor de forma visível ao ambiente que estamos. Devemos ser como Cristo, “conformes à imagem de seu Filho” (Rm 8:29).
Texto baseado no livro “O discípulo radical” de John Stott. Link para comprar aqui.